Segurança Alimentar 360º: migrantes reescrevem histórias, impulsionam a economia e alimentam esperanças no Paraná


Foto: Divulgação - Embaixada Solidária
+88 mil
Siga o Toledo News no Insta

O vapor das panelas se espalhava pelo salão como se carregasse histórias de continentes distantes. O aroma do Thiébou Yapp, arroz senegalês com carne de boi e legumes, misturava-se ao légume haitiano, ensopado de verduras e temperos afro-caribenhos, à arepa venezuelana, ao tamal cubano e ao ful medames egípcio, formando uma sinfonia de cheiros, cores e tradições.

Entre português, francês, crioulo haitiano, wolof, espanhol e árabe, risos e conversas se entrelaçavam. Toledo transformava-se em uma esquina do mundo, onde culturas se encontram, histórias se reescrevem e vidas são recomeçadas. Poderia ser Dakar, Porto Príncipe, Havana, Caracas ou Cairo, mas ali, no Paraná, sonhos eram nutridos e dignidade restaurada.

Na Cozinha Industrial Solidária da Embaixada Solidária, foi lançado oficialmente o Programa Segurança Alimentar 360º – Desafio Perda Zero (IBRF). O jantar festivo reuniu 60 novos profissionais da gastronomia, migrantes e refugiados, e parceiros do governo, universidades, sociedade civil, Justiça e setor produtivo. Cada mesa, cada aroma, cada conversa carregava a missão de transformar alimento em cultura, aprendizado e futuro.

Em setembro, outras 140 pessoas iniciarão a formação, ampliando o alcance do programa e reaproveitando ainda mais alimentos. Além disso, outros estados, como Santa Catarina, já se inspiram na governança migratória desenvolvida pela Embaixada Solidária em parceria com o IBRF, replicando o modelo de acolhimento, integração e profissionalização de migrantes e refugiados.

Enquanto eles não chegam 

Entre panelas fumegantes, Amsato Seye, mãe senegalesa de seis filhos, movia-se com atenção, cada gesto carregando histórias de superação.

“Recebo e preparo os alimentos que ajudo a produzir na indústria. O brasileiro respeita minha cultura, minha religião e meus filhos. Cada prato que preparo é esperança para meus filhos e para aqueles que ainda aguardam atravessar o oceano".

Amsato trabalha na indústria e destina a renda extra para trazer o restante da família do Senegal. Cada gesto seu é uma lição de resiliência, coragem e dedicação.

Uma esperança chamada Brasil 

Iscardely Nicolas, jovem haitiana, percorre a cozinha lembrando dos dias em que se alimentava apenas de manga verde com sal. No Brasil, ela resgata memórias e constrói um futuro para a sua filha, Emily.

“Sempre sonhei em chegar ao Brasil e ter comida na mesa. Hoje, preparar pratos do meu país e ver minha filha com refeição completa me emociona. Sei que a história dela será diferente da minha".

Em breve, Iscardely terá a sua casa própria, fruto das oportunidades conquistadas no país, simbolizando a sua transição de migrante para cidadã integrada.

Segurança alimentar na prática

No centro da cozinha, Emily, de três anos, corria entre mesas, provava temperos e acompanhava a dança típica haitiana apresentada pela mãe. Os seus cachinhos dourados pelo sol do Paraná, a pele negra exuberante — uma pérola das Antilhas — refletiam a mistura de culturas.

Falante e curiosa, Emily parecia compreender intuitivamente a essência da segurança alimentar: ter alimento hoje e a certeza de que haverá amanhã.

Indústria e cooperativas: pontes de recomeço

O Paraná, segundo maior polo agroindustrial do Brasil, revelou a sua força econômica e social. Entre 2018 e 2022, 8.379 migrantes ingressaram no mercado formal, com 38,80% absorvidos pela indústria e aproximadamente 30 mil em cooperativas.

Rainer Zielasko, CEO da Fiasul, conecta passado e presente:

“Minha avó chegou da Alemanha em 1926 e trocou um colar de pérolas por pão. Hoje, muitos migrantes trabalham conosco. Ao contratá-los, não oferecemos apenas emprego, mas oportunidade de recomeço e dignidade. Cada contratação é uma ponte entre histórias e futuros”.

Esse movimento inspirou o Programa Indústria Acolhedora (Fiep/Sesi Paraná), que orienta empresas a implementar políticas de acolhimento e inclusão.

Do desperdício ao aprendizado

O Programa Segurança Alimentar 360º – Cozinha Mundo reaproveita excedentes alimentares e os transforma em nutrição, aprendizado, inclusão social e renda.

Segundo a FAO (ONU), mais de 735 milhões de pessoas passam fome no mundo, e migrantes e refugiados estão entre os mais afetados. No Brasil, a Rede Penssan estima que 33 milhões vivem em insegurança alimentar grave. Ao mesmo tempo, 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas por ano no mundo — sendo 35 milhões de toneladas só no Brasil.

É nesse abismo entre sobra e falta que o Paraná vem se destacando.

Caique Eduardo, Instituto BRF:

“Quando cozinhamos juntos, percebemos que a indústria é mais do que produção: é inclusão. Segurança alimentar não se mede apenas em calorias, mas em dignidade. Cada alimento que deixaria de ser descartado e encontra uma nova mesa é uma vitória para todos nós.

A BRF é uma das maiores indústrias de alimentos do mundo. Temos a responsabilidade de reduzir perdas e transformar excedentes em impacto social. A parceria com a Embaixada Solidária mostra que não é apenas logística, é humanidade”.

Edson Pimenta, Banco de Alimentos de Toledo:

“Cada doação é mais do que comida. É futuro. O Paraná já produzia alimentos para o mundo; agora sustenta vidas em duas frentes: economia e solidariedade.

Nos últimos seis meses, redistribuímos 115 toneladas de hortifrutis em parceria com a Embaixada Solidária. A fome não é apenas ausência de alimento, é ausência de dignidade. Quando um migrante recebe um prato reaproveitado, ele não vê sobras: ele vê respeito, vê o país que o acolhe dizendo que sua vida importa”.

Luiz Albuquerque, coordenador do Programa Segurança Alimentar 360º:

“O impacto vai além da economia. Estamos falando de pessoas que chegaram sem nada e hoje encontram dignidade através do trabalho e da alimentação. O Brasil desperdiça cerca de 35 milhões de toneladas de alimentos por ano. Se apenas 30,00% desse volume fosse reaproveitado, garantiríamos comida para toda a população em insegurança alimentar. O Paraná mostra que desenvolvimento não é apenas produzir mais, mas incluir mais”.

Uma esperança para o mundo

Emily gira entre mesas, prova temperos e acompanha a mãe na dança. Os seus olhos, agora cheios de entusiasmo e confiança, são olhos que não verão a fome.

No Paraná, a grande esquina onde o mundo se encontra, diversidade, inclusão e solidariedade caminham lado a lado. O estado, que sempre alimentou o mundo com seus produtos, agora também alimenta sonhos, oportunidades e histórias de vida — mostrando que desenvolvimento pleno é aquele que inclui todos.

PROGRAMAÇÃO ESPECIAL PRATI! 🎉
LEGENDA
Últimas notícias