Economia Solidária: Cresce o número de mulheres migrantes empreendedoras, e conhecimento cultural passa a ser oportunidade de renda e negócios no Paraná


Foto: Gislene Costa
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Elas tinham o conhecimento e um sonho, mas agora terão em comum também um CNPJ. Uma sigla bem conhecida no país, mas uma novidade para quem está chegando do exterior. O Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas é o primeiro registro público da empresa – é aquele número que dá origem aos processos necessários para a abertura, pagamento de impostos e qualquer tipo de contrato que a empresa vá fazer.

O processo de legalização está ganhando força no interior do estado e o que antes era uma atividade informal, passa a ser a principal fonte de renda de mulheres que enfrentam o desafio de uma nova cultura de trabalho ao chegar ao Brasil. Na região Oeste do estado do Paraná, uma organização da sociedade civil está auxiliando migrantes no empreendedorismo e economia solidária. Uma parte importante do Projeto Recomeçar, que acolhe, identifica talentos, doa ou empresta ferramentas para que os profissionais consigam alavancar os seus pequenos negócios. Agora, a organização trabalha para que todos os empreendedores organizem as suas empresas e formalizem os seus negócios. Esse passo exigiu que outros parceiros fossem acionados.

A coordenadora da Sala do Empreendedor de Toledo, Fernanda Moreira, explicou que é a partir da adesão ao CNPJ que podemos dizer que a empresa está legalizada, podendo emitir notas fiscais, participar de concorrências públicas e receber benefícios que os governos oferecem aos negócios. “O Microempreendedor Individual é uma oportunidade para brasileiros e migrantes. Além de todos os benefícios garantidos em lei, o processo organiza e traz segurança aos pequenos empreendedores.

Hoje, esses trabalhadores têm direito à aposentadoria por idade e por invalidez, auxílio-doença, salário-maternidade, auxílio-reclusão e pensão por morte, contribuindo com apenas 05,00% do salário mínimo. Além disso, passaram a poder emitir notas fiscais e tiveram o direito de usufruir das vantagens oferecidas antes somente às empresas de maior porte. A cidade de Toledo, é um exemplo quando o assunto é empreendedorismo.

Eles são milhões

De acordo com dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), são mais de 15,6 milhões de MEIs, dos quais 1.014.362 estão registrados no Paraná. A categoria de empresas classificadas como Microempreendedor Individual (MEI) foi criada em 2006, pela Lei de Nº 123/2006, que ficou conhecida como “Lei Geral da Micro e Pequena Empresa” e também chamada de “Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte”. Esta modalidade de empresa foi criada para tirar da informalidade muitas categorias de profissionais autônomos que não tinham acesso a diversos benefícios, especialmente os previdenciários, em virtude do alto custo que teriam que arcar ao se cadastrarem como contribuintes individuais no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e terem que pagar os alvarás de autônomos no município.

Embaixada Solidária: Um berçário de pequenos e importantes negócios


A Embaixada Solidária recebe migrantes do mundo inteiro e o principal papel da organização é promover a esperança.

A Embaixada Solidária é uma Organização da Sociedade Civil que atua desde 2014 no acolhimento e defesa dos direitos de migrantes, refugiados e apátridas. Além de toda a assistência documental, fortalecimento de vínculos e outros serviços, a entidade encaminha os pequenos empreendedores para o Sebrae local, que é um dos parceiros na capacitação e impulsionamento dos pequenos negócios.

A coordenadora de Projetos da Embaixada Solidária, Jaqueline Machado, conta que muitos empreendimentos já nasceram dentro da organização, que serve como uma incubadora da economia popular solidária. “Apenas um olhar sensível e refinado é capaz de identificar o perfil empreendedor e também perceber que uma ferramenta de trabalho, mesmo usada, pode mudar o destino e a vida de uma pessoa”, destacou a coordenadora.

Projeto Recomeçar

Jaqueline contou uma das histórias mais emocionantes que viveu na Embaixada Solidária. “Recebemos recentemente uma arquiteta venezuelana que não pôde exercer sua profissão aqui no Brasil. O impacto disso na vida de uma pessoa é muito forte, pois ela deixa de ser o que lutou para construir. Na conversa, ela contou para a equipe que pensava em fazer bolos para sobreviver. Alguém tinha doado uma batedeira antiga que tínhamos guardado com carinho e nostalgia. Busquei o eletrodoméstico e coloquei na frente dela, e seus olhos imediatamente se iluminaram. Foi o começo mais inesperado de um empreendimento que hoje é um dos nossos parceiros e fornecedores. O seu diploma não é válido, mas os bolos e pães que aprendeu a fazer em sua terra natal deram um novo sabor ao Brasil”, contou.

Pela organização já passaram cabeleireiros, artistas, pintores, tradutores, eletricistas, marceneiros, cozinheiros e muitos outros. Pessoas que viram as suas empresas e países sucumbirem por motivos como a guerra, crises políticas e econômicas e até mesmo por desastres climáticos, como o que atingiu o Haiti em meados de 2010 e se repetiu outras vezes. O Brasil, atualmente, vive juntamente com o Rio Grande do Sul uma tragédia que faz lembrar um pouco a realidade dos países que lideram o ranking de migração forçada.


 Formada na Venezuela, Rosalinda descobriu uma nova profissão no Brasil e agora incentiva outras mulheres no empreendedorismo.

Uma batedeira para mudar a vida

O empreendimento é o caminho encontrado por milhares de migrantes e refugiados que encontram no Brasil a chance de recomeçar. Nessa nova fase, o conhecimento vira um produto atraente para o mercado e com baixo investimento para o empreendedor. Rosalinda Jimena Castro Higuera é a confeiteira que recebeu da Embaixada Solidária aquela batedeira antiga, informações e esperança. “Eu fui em busca de outra ajuda, mas me deparei com a possibilidade de realizar o meu sonho. Saí motivada e com a sensação de que não estava mais sozinha”, contou a venezuelana que, além de produzir em sua confeitaria, ainda ensina a outras mulheres a sua arte gastronômica.

“Eu amo o meu país, mas não existe melhor lugar para empreender do que no Brasil. Hoje eu ensino outras mulheres, inclusive brasileiras. Eu aprendi no Brasil que ensinar o que eu sei não é criar concorrentes, mas fortalecer outras mulheres que serão parceiras nessa missão de mudar o mundo e dar esperança para as pessoas. Essa é a minha retribuição pela forma como fui recebida e incentivada neste país”, destacou Rosalinda.

Da cozinha da avó para o Mundo: a história da refugiada que faz pasta de amendoim para vender


 A culinária do Haiti é um atrativo para brasileiros e também para os migrantes que sentem saudade do sabor e da cultura do país caribenho.

Foi o que Iscardely Nicolas fez para garantir uma renda extra. Ela deixou o Haiti quando ainda era menina, uma geração que viu o terremoto destruir o seu país e que precisou se reinventar para sobreviver. Ela nunca imaginou que a pasta de amendoim feita pela sua avó poderia um dia virar um produto e encantar os mais exigentes paladares pelo mundo. Vivendo no Brasil, a jovem viu a sua cultura virar negócio. “No meu país, cada família faz a sua pasta de amendoim, então nunca pensei que alguém compraria. Eu fiz uma vez na Embaixada Solidária e todos os brasileiros gostaram. Nas próximas semanas, fiz mais uma vez e vendemos tudo. Eles conversaram comigo sobre transformar a receita da minha avó em um negócio e uma renda extra para que eu pudesse ter uma vida melhor e cuidar da minha filha. Deu certo e agora eu tenho orgulho de apresentar minha cultura e um pouquinho do meu país”, contou a jovem Iscardely Nicolas.

Uma cubana que atravessou o mundo em busca de liberdade e tronou-se a embaixadora da sua arte


A jovem cubana é a artista responsável pela pintura do painel O Mundo é Aqui, que ilustra a sede da Embaixada Solidária em Toledo.

Isabel Gutierrez fez uma longa viagem até se tornar uma empreendedora. Não é força de expressão! Ela nasceu em Cuba, formou-se em artes plásticas, especializou-se na Bélgica e veio para o Brasil após uma grave crise econômica em seu país. Para comprar os seus banquinhos coloridos e pintados à mão, há uma fila de interessados. A família de Isabel foi uma das primeiras na abertura da empresa. Eles também foram recebidos e incentivados pela Embaixada Solidária. “Eu vim de um país em que a aquisição de materiais e até o uso da internet para desenvolver minha arte eram comprometidos. Também a liberdade para criar não era a mesma que encontrei aqui no Brasil. Aqui minha inspiração floresceu e eu consegui entender o valor do que eu aprendi e coloco em cada trabalho. A sensação de ser reconhecida por isso é grandiosa e inexplicável”, destacou a artista cubana.

Quem chega à sede da Embaixada Solidária em Toledo se depara com o maior painel artístico pintado por Isabel. Ela retratou a cultura dos quase 40 países atendidos pela Organização da Sociedade Civil (OSC). “Eu tive a ajuda de pessoas de diversos países. As figuras que representei são símbolos das mais diversas culturas, mostrando que cada um de nós perde alguma coisa e ganha outras possibilidades com a migração. Eu conquistei a liberdade de viver da minha arte e, para um artista, não existe nada maior e mais perfeito que isso”, contou a jovem com a voz embargada, exibindo um lindo sotaque hispânico.

A beleza étnica como renda e preservação da cultura


Esther Marie viu na beleza das mulheres migrantes e brasileiras uma oportunidade de gerar renda e conscientização.  

Se você não olhar bem de perto, não consegue acompanhar a rapidez das mãos de Esther Marie enquanto trança o cabelo de uma mulher africana. São dezenas de movimentos por minuto, e o penteado é bastante valorizado, inclusive pelas brasileiras. O negócio desenvolvido por Esther tem dois grandes motivos: ela pode ficar juntinho com os filhos enquanto trabalha, gerando renda, e aproveita para preservar a sua cultura enquanto ensina outras mulheres sobre a beleza e o autocuidado. “Eu cheguei na Embaixada por causa do nascimento do meu filho, estava precisando de apoio, informações e forças. Perguntaram o que eu gostava de fazer e eu falei sobre o meu sonho. Na outra semana, o salão solidário estava montado e eu trabalhando. Não demorou muito para que as clientes tomassem gosto pelos meus penteados e outros serviços”, contou a migrante haitiana.

Ela não faz apenas penteados, mas aproveita o espaço para conversar com as suas conterrâneas. “Aqui na minha cadeira elas podem desabafar, matar a saudade do nosso país e também manter nossos costumes. Elas não se adequam aos salões brasileiros, pois nosso conceito de estética é totalmente diferente”, explicou, destacando que as tranças possuem significados históricos e grande carga cultural.

Esther Marie não é a única empreendedora incentivada no salão solidário. O próximo passo será a inclusão de outras etnias, como as mulheres de países árabes, que também têm diferentes costumes e não se enquadram no atendimento dos salões convencionais.

Com a chegada de tantos outros países, a cultura e os mais variados conhecimentos têm mudado o perfil dos pequenos negócios. O Brasil segue encantado com os novos empreendedores e ajudando na estruturação de seu trabalho.

Você pode ajudar

A Embaixada Solidária é a porta de entrada para os migrantes que desejam incentivo para a criação e regulamentação de seus negócios. Para isso, a OSC conta com parceiros para a profissionalização e orientação. A comunidade pode auxiliar a Embaixada Solidária doando ferramentas para o trabalho, que podem ser desde matéria-prima até itens como secadores de cabelo, furadeiras, telefones e computadores usados, e qualquer outro item que possa ser doado para que os pequenos empreendedores possam reconstruir no Brasil a oportunidade que não foi possível em seus países.

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