Eles vieram para ficar e encontraram no Paraná um mundo do trabalho em ebulição, cheio de oportunidades que se estendem do campo ao comércio


Foto: Divulgação
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O comércio paranaense vive um novo tempo e fala vários idiomas. Nas prateleiras dos supermercados, nos balcões das farmácias, nas cozinhas que ganharam novos aromas e nas indústrias que fazem o estado pulsar, há sotaques e histórias que transformam o cotidiano e refletem um mundo em transformação.

O Paraná tornou-se um espelho da globalização em escala humana. Migrantes e refugiados de mais de 50 países chegaram ao estado trazendo novas formas de trabalho, empreendedorismo e convivência.

Cada palavra dita em crioulo, espanhol, francês ou wolof revela um pedaço da história de quem atravessou fronteiras em busca de dignidade e oportunidade.

Eles não apenas encontraram abrigo, encontraram também espaço no mercado, ou melhor, no mundo do trabalho e na economia. E estão ajudando a construir um dos estados mais dinâmicos do país.

As tranças que sustentam sonhos

Os dedos ágeis de Mevi Kerline parecem dançar sobre as mechas finas do cabelo da pequena cliente sentada em sua cadeira. O gesto é firme, delicado e ritmado, quase como uma oração ancestral.

A trancista haitiana, que chegou ao Brasil há mais de uma década, transformou a arte herdada das mulheres de sua família em um negócio sólido e reconhecido.

Boa parte das mulheres e homens com cabelos trançados da cidade já passou horas em sua cadeira, em um bairro simples de Toledo.

Mevi aprendeu a trançar ainda criança, observando mães e avós que usavam os cabelos como forma de expressão, beleza e cultura.

Ao chegar ao Brasil, descobriu que o mesmo talento que a ligava às raízes também poderia abrir portas. Sem capital inicial e enfrentando as barreiras da língua, começou atendendo vizinhas, depois amigas, e logo conquistou um público fiel. Hoje, o seu salão é um espaço multicultural onde brasileiras e migrantes se encontram. Enquanto trançam os cabelos, as mulheres trocam histórias, conselhos e sonhos, um encontro de mundos em torno da beleza e da autoestima.

O próximo passo de Mevi é a formalização daquilo que ela faz com maestria desde menina. É que ela agora olha para o futuro, e a segurança precisa estar lá.

O fluxo migratório já não é mais um fenômeno, é uma cena permanente, viva e nada estática no dorso social e econômico do Brasil.

Portanto, as tranças feitas por Mevi Kerline são mais do que estética: são memória, identidade e uma ferramenta silenciosa de emancipação econômica, que vai tomando forma e curvando, ainda que de maneira suave, os gráficos de empregabilidade e empreendedorismo do estado.

A renda gerada pelo salão sustenta a sua família, movimenta o comércio local e inspira outras mulheres migrantes a formalizarem os seus pequenos negócios.

O que antes era sobrevivência, hoje é exemplo de empreendedorismo criativo, com impacto direto no consumo e na economia da cidade.

Um recomeço em português Sobrevivente da maior crise humanitária da história da Venezuela, Jesus Roveda constrói no Paraná uma trajetória de superação e reconstrução.

Na loja onde trabalha, uma fotografia na parede destaca o seu sorriso e o reconhecimento como funcionário do mês, resultado de esforço, dedicação e adaptação.

Jesus aprendeu português ouvindo músicas brasileiras e conversando com clientes e colegas. Seu bom humor e o desejo de aprender o tornaram referência de simpatia no comércio local.

Antes, era comerciante em Caracas; hoje, é símbolo de um trabalhador que ajuda a aquecer o setor varejista paranaense e a redefinir o sentido de pertencimento.

Histórias como a dele revelam um comércio em transformação, mais diverso, mais humano e mais preparado para o futuro.

Da fábrica ao campo: força de trabalho e reconstrução. O movimento migratório também chegou às indústrias.

No Oeste do Paraná, fábricas de alimentos, cooperativas e frigoríficos empregam centenas de migrantes e refugiados, especialmente haitianos, senegaleses e venezuelanos.

Algumas indústrias da região já possuem até 38,00% do quadro funcional formado por migrantes e refugiados, evidenciando o papel decisivo desse grupo na sustentação e crescimento do setor produtivo.

Em períodos de escassez de mão de obra, a inclusão de trabalhadores de diferentes nacionalidades tornou-se um dos pilares da inovação e da estabilidade econômica.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, o número de migrantes e refugiados com carteira assinada no Paraná cresceu mais de 120,00% nos últimos cinco anos.

De acordo com a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), o estado tem atualmente mais de 22 mil vagas abertas, muitas delas concentradas na Região Oeste.

O desenvolvimento acelerado traz também um alerta: a necessidade de políticas contínuas de qualificação profissional.

A presença migrante dentro das fábricas não aconteceu por acaso. Eles chegaram primeiro à indústria, onde o domínio do português não precisava ser completo.

Mas, com o passar dos anos, o idioma deixou de ser uma barreira e a compreensão da cultura local se aprofundou.

Hoje, esse movimento começa a se refletir também no comércio: migrantes e refugiados assumem posições em vendas, atendimento e gestão, em um processo de integração que já não é mais tímido como nos primeiros anos desta década, quando a migração ganhou força no Paraná.

Dentro das empresas, a diversidade transformou a cultura organizacional. Gestores relatam que, além da produtividade, a presença migrante trouxe novas perspectivas, engajamento e espírito de colaboração.

O resultado é um ambiente mais dinâmico e conectado ao mundo, um retrato fiel de um comércio e uma indústria que se reinventam para permanecer competitivos.

Empreender para pertencer

A presença migrante no empreendedorismo cresce a cada ano. O Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), que antes parecia distante, agora representa o início de uma nova etapa de vida.

Na região Oeste, a Embaixada Solidária desenvolve o Projeto Recomeçar, que acolhe, identifica talentos e oferece suporte para que profissionais migrantes consigam abrir os seus próprios negócios.

O que antes era uma atividade informal, como a produção de comidas típicas, costura ou estética, agora se transforma em fonte de renda e autonomia.

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Brasil ultrapassou 15,60 milhões de Microempreendedores Individuais (MEI), sendo mais de 01,01 milhão no Paraná.

A Junta Comercial do Paraná (Jucepar) registrou mais de 103 mil novas empresas abertas em 2025, colocando o estado entre os cinco maiores polos de empreendedorismo do país.

Ao se tornarem microempreendedores, migrantes e refugiados passam a contribuir com impostos, gerar empregos e fortalecer a cadeia produtiva, consolidando um novo perfil de consumidor e produtor no mercado local.

O Paraná em números

  • 377.237 migrantes e refugiados chegaram ao Paraná entre 2017 e 2022 (IBGE). 
  • 62.206 migrantes e refugiados foram empregados formalmente em 2024, aumento de 37,90% em relação a 2023 (Cáritas/ACNUR). 
  • 38,00% dos trabalhadores em algumas indústrias da região Oeste são migrantes e refugiados. 
  • 01,01 milhão de MEIs ativos no estado (Sebrae, 2025). 
  • 85.045 pessoas de saldo migratório positivo no estado (IBGE).

Mais de 22 mil vagas de trabalho abertas, segundo a FIEP, muitas concentradas na Região Oeste. O Paraná é referência nacional em acolhimento e integração laboral, com acordo firmado com a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

O Paraná que se constrói com quem recomeça

O recomeço dos migrantes e refugiados é também o recomeço do próprio Paraná, um estado que aprendeu a acolher e que se reinventa com a diversidade.

A chegada de novos povos redefine a economia, as relações de consumo e a identidade do comércio.

Hoje, não há como falar de desenvolvimento sem falar de integração.

A presença migrante no comércio, na indústria e no empreendedorismo é uma das faces mais bonitas da nova economia paranaense: humana, plural e solidária.

Eles vieram de longe, mas trouxeram o que o Brasil mais precisa, esperança, trabalho e fé no futuro. E o Paraná, com a sua terra fértil e o seu povo acolhedor, mostra que o recomeço deles é, na verdade, um novo começo para todos nós.

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